Donald W. Strang é homenageado

Donald Wilfed Strang
O "Cavaleiro Andante" da pecuária morre em serviço
Mário Mazzei Guimarães

Lá pelos primeiros anos da década de 40, estava eu, como uma espécie de secretário executivo misto de assessor jurídico e econômico, no Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado em Barretos, Sp, quando me aparece um jovem mais ou menos da minha idade, ares cordiais de americano & gaúcho, e se apresenta: - Sou Donald Wilfred Strang, comprador de gado da Swift, que venho de Bagé para trabalhar no centro do país.

Queria saber tudo, e o tinham indicado como informante o "rapaz do Sindicato" que também fazia o boletim da entidade e jornal no lugar. A minha experiência infanto-juvenil na zona era de café com leite, mas as circunstâncias me chutaram, homem feito, para a pecuária de corte. Tinha uma posição centralizadora e conhecia quem era quem e onde era onde em quase todo o Brasil Central: criadores, recriadores, invernistas, chefes de comitiva, até peões, zonas de cria, recria e inverna. Mas conhecia tudo pela rama, não tinha a vivência de Gumercindo de Carvalho, chefe de comitiva, do boiadeiro e zebueiro já aposentado Nelson Tibery, do chefe de escritório da Armour, Antônio de Bezerra, nem do dia-a-dia de gente do ramo, como os Borges, os Coimbra, os Duartes, os Paula, os Cunha, os Silveira, os Junqueiras...

Mas Strang queria um informe de conjunto e, pelo que lhe disseram, eu era o nome indicado para a ¨primeira aula ¨ de Brasil Central . Perguntei sse era norte-americano, e ele deu uma risada negativa.

Então, apesar de arrevesado do nome, indaguei se era gaúcho, com seus modos campeiros, o chapéu de abas largas nas mãos. Deu outra risada cordial:

- De gaúcho, nem descendente da estranja; sou carioca, filho de um pastor protestante com baiana. Fui estudar em Minas, casei-me por lá, fiquei influído pelo boi de corte, fui parar no Rio Grande, onde comprava gado para a Swift com frigorífico em Rosário.

Era, pois, um jovem que já tinha corrido mundo no país, e não pela superfície, como eu, que já fizera minhas aventuras jornalísticas e políticas pelo centro e pelo sul do Brasil.

Com o mapa na parede, grandão, fui informando Strang sobre onde se criava, onde se recriava, onde se invernava, quem era quem em cada lugar, as famílias mandonas, onde havia zebu dominando, onde ainda havia curraleiro ou pantaneiro. Naquele tempo, Barretos era a capital do boi de corte, tudo, gado, gente e informações afluíam para lá, com a Anglo e as charqueadas matando ali mesmo e a Wilson (ou Continental), a Armour, os marchantes de Carapicuíba e Campinas e a Swift chegando, para ligar-se depois a Armour.

Araçatuba, Rio Preto, Prudente? Eram bocas de Sertão. Ainda havia fazendeiros, como Joscelino, que iam a cavalo buscar direto boi magro lá pelos lados de Coxim, Mato Grosso.

Strang ouvia atento, fazia perguntas intrigantes, às vezes tomava nota. Me sabatinou a valer. E me disse, e disse a outros, que ficara satisfeito com as informações.

Nasceu daí uma amizade nunca desfeita, em Barretos, depois em São Paulo, onde eu fiz Faresp, Folhas e CAP e topava com ele por todo lugar. Até nas exposições de gado, das mais ilustres às mais ignoradas, onde eu era juiz para os prêmios e dos mais disputados, sobretudo em matéria de Nelore a sua paixão. E tanta que foi dar nas cabeceiras fluminenses e se interesou pelo antigo Ongole, leiteiro, origem Lengruber. Lá estive com ele, certa vez, passando por Carmo, Cantagalo, Friburgo...

Numa fazenda de mineiro, seu velho amigo, viu uma vaca Nelore no meio do gado saído da ordenha e interessou-se: era de 15/20 litros/ dia, não descansou enquanto não a comprou para enriquecer o Nelore leiteiro que selecionava em sua fazenda de Araçatuba.

Fazendeiro? Pois é. Esse "cavaleiro andante" da pecuária, como o chamei certa vez, também tinha poucos, em SP, MT... Feito diretor geral de compras da Swift-Armour, um mau dia teve qualquer problema circulatório. O presidente da companhia em pessoa veio consola-lo:

- Infelizmente, o senhor precisa ficar mais parado. Sossegar. Conversamos com os médicos. O seu coração não agüenta o tranco de um diretor de compras. Que pensa fazer?

- Vou continuar andando. Aqui ou em outro lugar.
E assim foi, durante mais trinta anos depois do primeiro baque. Eu chegava num lugar remoto, no centro ou no sul, e o Donald já havia estado lá, ou lá estava, ou era esperado. Um vira-mundo.

Foi juiz em exposições de gado de fora do país, na Venezuela, no Paraguai, na Argentina, sei lá. E em todos eles fez amigos admiradores. Era uma espécie de consultor-geral. Teve outros choques de saúde, mas atravessava a pinguela, e continuava andando. A cavalo, de carro, de avião. Entrou pelo Pará afora, formando fazenda para terceiros. As suas terras, preferia em SP e MT. Outro dia estive em Araçatuba e soube que o "velho" Strang fora lá votar, fiel ao tronco onde foi presidente da Associação Rural e formou fazenda e chácara, esta beirando a cidade.

Tivera uma baixa de pressão e preocupara a família. Mas de São Paulo chegavam noticias de que já se achava refeito e recomeçara a lida na Lion, onde dava ponto.

Dias depois, estava num avião para sua viagem mensal de inspeção de fazenda Paragominas. Em Brasília haveria baldeação. Mas teve uma síncope cardíaca em pleno vôo, foi acudido no aeroporto, e logo acusaram a morte cerebral e o levaram para o hospital. O velho coração golpeado é que ainda resistia.

Isso foi de dia, agüentou a noite, até que o filho que mais circulava em Goiânia-Brasília foi localizado em Medianeira, PR, pegou um avião com céu tempestuoso em Foz do Iguaçu e chegou ao hospital às 11 da noite, com o pai em coma. Morreu oficialmente ás 4 da matina. Madrugador... A vinda do corpo para São Paulo, embalsamado, foi uma dura luta final. A burocracia funciona, e vigorosa, também para os mortos, em nosso país.

Era o "Cavaleiro Andante", vencido aos 76 anos, depois de uma briga danada com o coração por mais de 30.

E em pleno serviço. Foi enterrado com a roupa de trabalho, envergando aquela amigável camisa xadrez de um peão-mor, a mais vistosa que levara na mala de roupa de lida.

Mário Mazzei Guimarães é jornalista
Fonte: DBO RURAL - Ano 12 - nº 156 - JUNHO 93