História do Nelore

Lá pelos primeiros anos da década de 40, estava eu, como uma espécie de secretário executivo misto de assessor jurídico e econômico, no Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado em Barretos, Sp, quando me aparece um jovem mais ou menos da minha idade, ares cordiais de americano & gaúcho, e se apresenta: - Sou Donald Wilfred Strang, comprador de gado da Swift, que venho de Bagé para trabalhar no centro do país.

Mário Mazzei Guimarães


As origens do Sr. Donald trouxe das regiões do Rio de Janeiro e Minas Gerais, dos plantéis da Fazenda do Estado de Uberaba; de Virgílio Pinto da Cruz (Dorico); Dr. Otacílio Lemgruber e; embaixador Edmundo Penna Barbosa (Fazenda da Pedra). Depois selecionou exemplares da região de Pres. Prudente, do Sr. Hiroshi Yoshio (Fazenda Prudeíndia - basicamente linhagem Taj Mahal e Nagpur); da Bahia, do Dr. Miguel Vita (Fazenda Soraya, linhagens Akasamu e Padhú). A título de refrescamento de sangue foram utilizados animais das linhagens Godavari, Ankai e Nagory.

Consolidou seu gosto pela rusticidade e docilidade conferidas pela seleção centenária do gado Lemgruber, trazendo touros do plantel da Mundo Novo nas décadas de 80 e 90 (que atualmente é de propriedade dos Irmãos Penteado Cardoso - CIPEC, Uberaba-MG), lastreada em animais desta origem. As características que o Sr. Donald sempre procurou como comprador de frigorífico eram voltadas para aquisição de animais que produzissem carcaças de alto rendimento de carne e de boa courama que, na época, era um subproduto que o pecuarista não percebia como importante, pois só ganhava na carne. Porém, hoje, cada vez mais percebe-se a visão deste homem pois, finalmente, vemos frigoríficos pagando diferenciais de preço pelo couro, que é um item importante na composição das receitas das indústrias. Quando ele passou a ser criador, buscou um gado que suportasse as condições das regiões rústicas dos trópicos, que tolerassem bem o calor e os parasitas, que gerassem lucros e não gastos com pesticidas, que parissem sem suporte especializado e tivessem habilidades maternas para criar seus filhotes com o mínimo da intervenção humana. Por isso, a aptidão leiteira também foi observada, e vacas de balde com mais de 10kg/leite/dia são encontradas até hoje nos retiros. Estas habilidades sempre foram importantes, mas não mais do que a fertilidade. Aqui, vaca que não parir todo ano, vira receita na venda da carne. Esta pressão ao longo dos anos é tida como responsável por uma taxa de fertilidade superior a 80% a campo e é a garantia de que você levará um produtor de rendimentos para sua atividade, seja ela na criação de gado de corte, ou na seleção da continuidade da raça nelore voltada para este fim. A docilidade também foi outro fator importante, pois no interrelacionamento com o homem não queremos acidentes e sim facilidade de manejo, evitando perda de peso e machucados com esforços desnecessários. Desta forma, destacamos os atributos de qualidade encontrados em nosso rebanho nelore: rusticidade, precocidade, fertilidade, docilidade e boa produção de carne, leite e courama. Isso tudo sem nunca ter caído nas tentações de modismos passageiros, como selecionar orelha, rabo, pelagem… mas, sim, atributos econômicos. Aqui o gado trabalhará para você e não você para ele.
Golias Imp.A raça Nelore tem um grande desafio: aumentar os índices produtivos. Tendo o rebanho nelore nacional uma grande concentração de sangue do genearca Karvadi, touro importado em 1962, a busca agora se volta pra touros que provoquem uma heterose, aumentando assim os índices de produtividade. Algumas linhagens já comprovaram esta heterose, assim como as linhagens Lemgruber, Akasamu-Padhu, Kurupathy e Nova Opção (Visual, Zefec).

Fregues da SC Itaú da Zeb VR

CAMBIRA DS, da base de matrizes LemgruberPropondo uma alternativa tanto de sangue quanto de produção, a Strang Pecuária está realizando um projeto de resgate da linhagem Golias Imp.. Touro pouco aproveitado devido sua morte quatro anos após sua importação, deixando alguns excepcionais filhos no plantel da Fazenda Santa Cecília (de Torres Homem). Hoje fazem parte do projeto os touros Freguês, Itaú, Faugi, Faulad, Grado, Jolan. Os três primeiros já têm filhos avaliados na Fazenda Tradição. Sendo que já foram selecionados para teste de reprodução quatro filhos do Freguês e dois do Itaú (fotos).

UTIL 613 OLODUM, Fregues x Cambira DS TECO 561 FREVO, Itaú x Faculdade DS.

A base do projeto é a mesma base do plantel da Fazenda Tradição, matrizes com alto grau de sangue Lemgruber, que foram selecionadas por sua alta habilidade materna, arqueamento de costelas, volume corporal, facilidade de partos e excelentes aprumos.

Sendo assim os produtos machos (futuros touros) poderão ser utilizados largamente naqueles plantéis com alta concentração de sangue Karvadi (Ludy, Panagpur, Bitelo) e Nova Opção.

Descendentes de Donald Strang dão sequência a trabalho iniciado por ele há 50 anos

Agora nas mãos de Celina Barbosa Strang e seus filhos, mas avessa à participação em exposições, a Fazenda Santa Terezinha II (atualmente Fazenda Tradição), em Lavínia-SP, continua voltada de corpo e alma à seleção de Nelore, seguindo à risca as regras impostas ao trabalho seletivo impostas por Donald Strang. Comprador de gado, gerente regional e diretor da Swift, ele iniciou a criação há 50 anos, entendia como poucos do que queria um frigorífico em termos de boi para abate, e por isso escreveu a cartilha que ainda hoje é o livro de cabeceira da propriedade. Características marcantes dos animais: nas fêmeas, a habilidade materna e, em todo o gado, a docilidade e ganho de peso, características selecionadas desde o início da criação. Nem dona Celina nem os filhos têm do que se queixar, os resultados estão à mostra e, mesmo sem alçar grandes vôos, a propriedade está chegando ao que quer.

A Fazenda Santa Terezinha II tem 363 hectares e constitui uma das seis partes em que foi dividida a propriedade original do velho Strang. Passou para o seu filho Eduardo, falecido em outubro de 2000, e agora tem como donos sua ex-mulher e os sete filhos do casal. Quem toca a fazenda, no seu dia-a-dia é Henrique Barbosa Strang, quartanista de medicina veterinária em Andradina, SP. Outro dos irmãos, Daniel, já formado em zootecnia, dá assistência técnica e orienta acasalamentos, e Marcelo Jake Strang, morador no Texas, EUA, acompanha tudo via internet e telefone, além de garantir algo para investimentos e melhoria.

Os pastos são de colonião e braquiária, única fonte alimentar dos animais, pois o gado com a marca Strang tem de ser rústico. Daí não se usar creep feeding, que na opinião dos donos, mascara o desenvolvimento das crias. Mesmo com a criação natural, porém, o índice de desfrute das 200 matrizes chega a invejáveis 97%, na monta natural.

Com uma população de 450 cabeças, o objetivo da propriedade é produzir tourinhos para venda a clientes cativos, que vão buscar diretamente em Lavínia os 50 disponíveis por ano, pois a Santa Terezinha II tem hoje projetos em parceria que também exigem seus animais. E está exatamente nesses acertos um dos recursos que a fazenda está usando para ampliar seus negócios, sem dispêndios que lhe compliquem o balanço anual. Todo o gado é registrado e participa do Programa de Melhoramento Genético da ABCZ-Embrapa.

Parcerias multiplicadoras - Com área pequena e sem disponibilidade de ampliá-la, a fazenda encontrou em parcerias que vem firmando com criadores de diferentes regiões a fórmula para ampliar o plantel. E foram exatamente as características que chamaram a atenção dos interessados.

Lília de Castro Consoni, de Cornélio Procópio, PR, é uma das envolvidas no projeto. Ouviu falar bem do trabalho dos Strang, viu algumas coincidências com o que tinha e resolveu conferir pessoalmente. Convenceu-se ao ver uma vaca Nelore com bezerro ao pé deixando pingar leite do úbere. E fez um rápido negócio.

Responsável pelos negócios do pai, Antônio Severo de Castro, na pecuária - ele prefere cuidar da agricultura, na Fazenda Santa Tereza - ,ela levou oito matrizes do plantel Strang para fazer transferência de embriões e fecundação in vitro na sua propriedade. Como receptoras está usando suas Nelore cara-limpa. Em troca, mandará para Lavínia metade das receptoras, que se incorporarão ao gado dos Strang. A mesma coisa vai fazer Paulo José Vilela de Carvalho, também de Cornélio Procópio, a quem Lília cedeu seis fêmeas do lote inicial de 14 que levara na parceira. Carvalho está realizando as transferências no Sítio Olho D'Água ,da GeraEmbryo, de Márcio de Oliveira Marques e Rubens César Pinto da Silva, em Nova Fátima.

O acerto com as fazendas paranaenses foi feito em novembro de 2003, mas um outro já havia sido acertado, em 2001, com Anísio César de Emílio, de Campo Grande, MS. Aqui, o contrato é difewrente: Emílio recebeu 130 vacas cara-limpa dos Strang, que utilizapara produção dos tourinhos que necessita para suas fazendas de Miranda, no Pantanal. Os machos nascidos passam a ser seus, mas mas as fêmeas são mantidas no processo, com recria para os Strang e realimentação da parceria. Não está estipulado, no acerto, até que número de vacas se pode chegar.

Em Goiás, há outra parceria, mas com vacas registradas. O acerto foi feito com Fernando da Costa, de Serranópolis, e se iniciou em janeiro de 2003. Foram enviadas 33 matrizes, e Fernando ficará com 40% da produção de machos e fêmeas. Os 60% restantes virão para Lavínia, mas parte pode continuar com Fernando, mediante pagamento do custeio com base na arroba do boi gordo, caso em que os animais entrarão novamente no ciclo previsto. A expectativa é chegar a 100 vacas no sistema e depois reestudar o acordo. A Santa Terezinha II estuda vender os machos em Goiás mesmo, em acerto a ser feito na ocasião, pois o próprio Fernando se encarrega de registrar os animais.

A boa base - Atualmente o plantel dos Strang tem 80% de sangue Lemgruber, buscado nas origens, com compras a Paulo Lemgruber, a que se seguiram outras à Mundo Novo, de Fernando Penteado Cardoso, ainda no tempo de Donald. O velho, com seu conhecimento e amizades, conseguiu trazer animais de várias outras fontes. Por isso, os registros da fazenda têm anotados na genealogia dos animais nomes como de Taj Mahal e Nagpur, de Hiroshi Yoshio, de Presidente Prudente, SP; Padhu e Akasamu, de Miguel Vita, na Bahia, além de Godhavary e Nagory de Rubico Carvalho, de Barretos, SP.

Nos acasalamentos de agora, Daniel Strang procura não abrir demasiado o leque de opções, para também marcar a propriedade como fonte de refrescamento de sangue em outros criatórios.

É assim que também pensa Marcelo Jake Strang, que coordena as ações da fazenda, mesmo morando há 14 anos em Gainesville, no norte do Texas. Ali, ele continua exercendo suas atividades no ferrageamento e casqueamento de cavalos, com empresa própria, auxialdo por dois empregados. O negócio lhe permite enviar recursos para a fazenda, além de também ir iniciando sua própria criação. De propriedade exclusiva, marcelo já tem 125 vacas.

Casado com Johana Renee Strang, a quem conheceu nos tempos em que frequentava rodeios, Marcelo diz que, fiel à filosofia do avô, não há razões para mudar os rumos da criação em Lavínia: entre dois animais, prefere deixar de lado o bonito, para ficar com o mais feio, "se for bom ganhador de peso e tiver boa courama, quando macho, ou ser boa de leite e dócil, quando fêmea", exatamente como fazia Donald Strang.

Para a docilidade do gado, reconhecida por todos os que visitam a Santa Terezinha II, Marcelo arrisca uma explicação, além do trabalho seletivo desde o nascimento, as crias convivem com a tropa de Mangalarga Marchador, que a fazenda também seleciona, e são submetidas a um manejo tranquilo e sem atropelos.


Fonte: Revista DBO Rural (abril 2004); Por: J. M. Nogueira de Campos

Nos últimos anos a predominância que a raça nelore tem no Brasil Central evocou muitas discussões, a principal delas a consangüinidade do gado; que tem aumentado segundo opinião unânime. Mas segundo o adágio popular toda unanimidade é burra, portanto temos que considerar o que procede e o que não vem ao caso.


A pressão para não errar cresce a cada dia, não podemos errar na aplicação financeira, na escola dos filhos, na compra de reposição, na escolha de touros. Para facilitar, ou por outra, dividir as responsabilidades aparece o especialista, o especialista em bolsa, o gerente, o acasalador. Que hoje em dia todos tem programas de informática (software) para facilitar seus aconselhamentos; vamos ater ao nelore.


No caso do nelore, essa ferramenta fornece a DEP de cada animal para determinadas características, e a evolução do uso da predição, o MGT; mas afinal o que quer dizer DEP, ou, Diferença Esperada na Progênie? a grosso modo é a diferença calculada com base estatística nas progênies anteriores ou ascendência ( pais, tios, irmãos e primos), que se espera encontrar nos filhos do animal em questão quando comparado com seus contemporâneos. O MGT, Mérito Genético Total, vem a ser uma composição das DEPs do animal calculadas segundo uma fórmula proposta de cada programa de avaliação, facilitar a visualização do melhor animal de um sumário.


Se você não entendeu nada, não se assuste quem só faz isso tem mais facilidade com matemática do que com português e também sofre para expressar com clareza todos os conceitos, mas o que a maioria esquece ou não percebe é que a DEP é uma ferramenta seleção, não uma forma de exclusão, principalmente se considerarmos o MGT, que precisa ser usado com mais cuidado ainda, ou mesmo ter uma fórmula alternativa calculada especificamente para o programa de seleção da fazenda que está acasalando suas matrizes.


Muita gente ainda prefere confiar na experiência de técnicos que acasalam os animais com base na morfologia ou no pedigree, principalmente por não entender por que a DEP de uma animal que lhe agrada mais ser mais baixa que a de outro animal não tão bonito assim, pois aí está a confusão nem sempre o mais bonito é capaz de passar a sua descendência as suas características, enquanto que outro principalmente com alta acurácia, quase sempre produz animais melhores do que ele, e é esse o objetivo dos programas de seleção identificar animais que produzirão animais melhores do que eles próprios.


Porém tanto a seleção por DEP quanto a seleção por experiência tem pecado por produzir unanimidades, ou seja, estão conduzindo o rebanho a uma crescente consangüinidade que a longo prazo pode prejudicar toda a competência do nelore no nosso clima e condições de criação do Brasil Central. Temos que ousar e procurar a melhor opção evitando a unanimidade, a DEP pode ser usada para identificar animais não consangüíneos e melhoradores, mesmo que não de melhor MGT, mas as vezes de melhor DEP para exatamente a característica que precisa ser melhorada naquela matriz.


Como disse no inicio toda unanimidade é burra, pois não há de ver que a opinião unânime de que o gado está ficando consangüíneo, é conseqüência da unanimidade de escolha de um touro a cada geração como o melhor e, portanto indispensável a todos os rebanhos. Durma-se com um barulho desses.

Autor: Eduardo Barbosa Strang , méd. veterinário, Presidente do Sindivet - MS
Fonte: Jornal O Estado MS

Donald Wilfed Strang
O "Cavaleiro Andante" da pecuária morre em serviço
Mário Mazzei Guimarães

Lá pelos primeiros anos da década de 40, estava eu, como uma espécie de secretário executivo misto de assessor jurídico e econômico, no Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado em Barretos, Sp, quando me aparece um jovem mais ou menos da minha idade, ares cordiais de americano & gaúcho, e se apresenta: - Sou Donald Wilfred Strang, comprador de gado da Swift, que venho de Bagé para trabalhar no centro do país.

Queria saber tudo, e o tinham indicado como informante o "rapaz do Sindicato" que também fazia o boletim da entidade e jornal no lugar. A minha experiência infanto-juvenil na zona era de café com leite, mas as circunstâncias me chutaram, homem feito, para a pecuária de corte. Tinha uma posição centralizadora e conhecia quem era quem e onde era onde em quase todo o Brasil Central: criadores, recriadores, invernistas, chefes de comitiva, até peões, zonas de cria, recria e inverna. Mas conhecia tudo pela rama, não tinha a vivência de Gumercindo de Carvalho, chefe de comitiva, do boiadeiro e zebueiro já aposentado Nelson Tibery, do chefe de escritório da Armour, Antônio de Bezerra, nem do dia-a-dia de gente do ramo, como os Borges, os Coimbra, os Duartes, os Paula, os Cunha, os Silveira, os Junqueiras...

Mas Strang queria um informe de conjunto e, pelo que lhe disseram, eu era o nome indicado para a ¨primeira aula ¨ de Brasil Central . Perguntei sse era norte-americano, e ele deu uma risada negativa.

Então, apesar de arrevesado do nome, indaguei se era gaúcho, com seus modos campeiros, o chapéu de abas largas nas mãos. Deu outra risada cordial:

- De gaúcho, nem descendente da estranja; sou carioca, filho de um pastor protestante com baiana. Fui estudar em Minas, casei-me por lá, fiquei influído pelo boi de corte, fui parar no Rio Grande, onde comprava gado para a Swift com frigorífico em Rosário.

Era, pois, um jovem que já tinha corrido mundo no país, e não pela superfície, como eu, que já fizera minhas aventuras jornalísticas e políticas pelo centro e pelo sul do Brasil.

Com o mapa na parede, grandão, fui informando Strang sobre onde se criava, onde se recriava, onde se invernava, quem era quem em cada lugar, as famílias mandonas, onde havia zebu dominando, onde ainda havia curraleiro ou pantaneiro. Naquele tempo, Barretos era a capital do boi de corte, tudo, gado, gente e informações afluíam para lá, com a Anglo e as charqueadas matando ali mesmo e a Wilson (ou Continental), a Armour, os marchantes de Carapicuíba e Campinas e a Swift chegando, para ligar-se depois a Armour.

Araçatuba, Rio Preto, Prudente? Eram bocas de Sertão. Ainda havia fazendeiros, como Joscelino, que iam a cavalo buscar direto boi magro lá pelos lados de Coxim, Mato Grosso.

Strang ouvia atento, fazia perguntas intrigantes, às vezes tomava nota. Me sabatinou a valer. E me disse, e disse a outros, que ficara satisfeito com as informações.

Nasceu daí uma amizade nunca desfeita, em Barretos, depois em São Paulo, onde eu fiz Faresp, Folhas e CAP e topava com ele por todo lugar. Até nas exposições de gado, das mais ilustres às mais ignoradas, onde eu era juiz para os prêmios e dos mais disputados, sobretudo em matéria de Nelore a sua paixão. E tanta que foi dar nas cabeceiras fluminenses e se interesou pelo antigo Ongole, leiteiro, origem Lengruber. Lá estive com ele, certa vez, passando por Carmo, Cantagalo, Friburgo...

Numa fazenda de mineiro, seu velho amigo, viu uma vaca Nelore no meio do gado saído da ordenha e interessou-se: era de 15/20 litros/ dia, não descansou enquanto não a comprou para enriquecer o Nelore leiteiro que selecionava em sua fazenda de Araçatuba.

Fazendeiro? Pois é. Esse "cavaleiro andante" da pecuária, como o chamei certa vez, também tinha poucos, em SP, MT... Feito diretor geral de compras da Swift-Armour, um mau dia teve qualquer problema circulatório. O presidente da companhia em pessoa veio consola-lo:

- Infelizmente, o senhor precisa ficar mais parado. Sossegar. Conversamos com os médicos. O seu coração não agüenta o tranco de um diretor de compras. Que pensa fazer?

- Vou continuar andando. Aqui ou em outro lugar.
E assim foi, durante mais trinta anos depois do primeiro baque. Eu chegava num lugar remoto, no centro ou no sul, e o Donald já havia estado lá, ou lá estava, ou era esperado. Um vira-mundo.

Foi juiz em exposições de gado de fora do país, na Venezuela, no Paraguai, na Argentina, sei lá. E em todos eles fez amigos admiradores. Era uma espécie de consultor-geral. Teve outros choques de saúde, mas atravessava a pinguela, e continuava andando. A cavalo, de carro, de avião. Entrou pelo Pará afora, formando fazenda para terceiros. As suas terras, preferia em SP e MT. Outro dia estive em Araçatuba e soube que o "velho" Strang fora lá votar, fiel ao tronco onde foi presidente da Associação Rural e formou fazenda e chácara, esta beirando a cidade.

Tivera uma baixa de pressão e preocupara a família. Mas de São Paulo chegavam noticias de que já se achava refeito e recomeçara a lida na Lion, onde dava ponto.

Dias depois, estava num avião para sua viagem mensal de inspeção de fazenda Paragominas. Em Brasília haveria baldeação. Mas teve uma síncope cardíaca em pleno vôo, foi acudido no aeroporto, e logo acusaram a morte cerebral e o levaram para o hospital. O velho coração golpeado é que ainda resistia.

Isso foi de dia, agüentou a noite, até que o filho que mais circulava em Goiânia-Brasília foi localizado em Medianeira, PR, pegou um avião com céu tempestuoso em Foz do Iguaçu e chegou ao hospital às 11 da noite, com o pai em coma. Morreu oficialmente ás 4 da matina. Madrugador... A vinda do corpo para São Paulo, embalsamado, foi uma dura luta final. A burocracia funciona, e vigorosa, também para os mortos, em nosso país.

Era o "Cavaleiro Andante", vencido aos 76 anos, depois de uma briga danada com o coração por mais de 30.

E em pleno serviço. Foi enterrado com a roupa de trabalho, envergando aquela amigável camisa xadrez de um peão-mor, a mais vistosa que levara na mala de roupa de lida.

Mário Mazzei Guimarães é jornalista
Fonte: DBO RURAL - Ano 12 - nº 156 - JUNHO 93

Certo dia, por volta de 1986, em um leilão que comentava no Parque da Água Funda (SP), acercou-se de mim um senhor calvo, de sorriso extremamente simpático e com um certo ar de estrangeiro:

- Meu nome é Strang. Gostaria de conversar um pouco consigo. Você ainda não me conhece, mas tenho a certeza que seremos grande amigos.

De pronto, reconheci-o. Disse-lhe que o havia acompanhado em julgamento de bovinos Nelore no Parque de Exposições da Fundenor em Campos (RJ), no ano anterior.

E acrescentei:

- Sua tropa 'Araçatuba' é muito famosa, tanto pela tradição de sua origem quanto pela qualidade de seu andamento. Não é por acaso que o reprodutor no. 1 do Livro de Elite da ABCCMM - A.F. Emir, descende de uma de suas preciosas matrizes - Araçatuba Carioca